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Opas/OMS estimula a aproximação de ONGs brasileiras para somar forças com o objetivo comum de promover a segurança viária
Marina Lemle

Quando Thiago morreu ao voltar de uma festa, aos 18 anos recém-completos, a vida da arquiteta gaúcha Diza Gonzaga mudou completamente: “Eu tinha que dizer para a sociedade que era preciso fazer alguma coisa. A morte do meu filho era uma morte anunciada.”

Um ano após a tragédia, em 1996, ela e o marido Régis fundaram a ONG Vida Urgente/ Fundação Thiago de Moraes Gonzaga, que desenvolve programas educativos, culturais e informativos sobre trânsito para crianças, adolescentes, jovens e adultos.

Hoje, o Vida Urgente conta com 30 mil voluntários, que falam a linguagem dos diferentes públicos e usam todo tipo de mídia para atingir mais gente. Onde chegam são bem recebidos. Conversam, distribuem materiais, propõem atividades, ganham adesões.

“Fazemos ‘mídia de guerrilha’. Pintamos borboletas onde morre alguém, e o Google Maps localiza as borboletas”, conta Diza, que, inspirada no filho, desenhou a borboleta símbolo do Vida Urgente.

Muito antes da Lei Seca, ela levava bafômetros a festas e os jovens faziam fila para testar a novidade. A mensagem fluia em meio à farra: bebida e direção não combinam.

Para Diza, não são campanhas pontuais em vésperas de feriados que irão mudar comportamentos, mas sim um projeto permanente de educação. E, nesse desafio, ela destaca a importância das parcerias. O apoio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), por exemplo, foi fundamental para a produção do livro Perda Sem Nome – Como superar a ausência de pessoas queridas, que reflete outro campo de trabalho do Vida Urgente: os grupos de apoio a pais que perderam filhos. Desde 1998, mais de 400 famílias foram atendidas.

Advocacy em segurança no trânsito

O caso do Vida Urgente foi apresentado por Diza no “Seminário nacional sobre advocacy para ONGs com foco em segurança no trânsito”, promovido pela Opas na sua sede em Brasília nos dias 12 e 13 de agosto de 2013. O seminário reuniu cerca de 30 representantes de mais de 20 ONGs brasileiras, de associações de vítimas a organizações que trabalham temas específicos, como pedestres, ciclistas e transporte sustentável.

coordenadora da Unidade Técnica de Desenvolvimento Sustentável e Saúde Ambiental da Opas no Brasil, Zohra Abaakouk, citou três objetivos do encontro:

  • a compreensão do que é advocacy em segurança do trânsito;
  • o compartilhamento de experiências e êxitos, para se avaliar possibilidades de replicação;
  • e a facilitação de futuros trabalhos conjuntos.

Não existe uma tradução do termo advocacy em português, mas o conceito relaciona-se à defesa e ao engajamento voltados a uma causa específica – no caso, a promoção da segurança no trânsito.

Roberto Colombo, da mesma unidade da Opas, disse que aquele era o primeiro de uma série de encontros com o objetivo de construir uma frente pela segurança viária. Ele esclareceu que ninguém do governo foi convidado, justamente para que os representantes da sociedade civil se sentissem à vontade para dizer o que pensam, mas ressaltou que “em algum momento esses dois mundos terão que se encontrar”.

Colombo apresentou os resultados e recomendações do relatório global de segurança no trânsito de 2013 da OMS e divulgou os manuais disponíveis no site da Opas. Ele chamou atenção para o crescimento no número de vítimas de motocicletas. “Morre-se cinco vezes mais no Brasil do que nos países com níveis razoáveis. Mais de um milhão de motos foram vendidas no país em 2012. Cinco estados já tem mais motos que carros”, alertou.

O especialista em segurança no trânsito e consultor da Opas Victor Pavarino apresentou o cenário da morbimortalidade no trânsito no mundo e no Brasil e explicou que a saúde só “começou a meter a colher” na questão há menos de dez anos, quando a OMS lançou, em 2004, um relatório que mostrava o quanto essa violência estava afetando a área da saúde. Dados de 2009 apontam para cerca de 1,3 milhões de mortos e 50 milhões de feridos ao ano em 178 países. O custo global de toda essa dor é de cerca de US$ 518 bilhões ao ano, que equivalem a de 1% a 3% dos PIBs dos países.

Segundo Pavarino, a afirmação corriqueira de que a morte no trânsito seria “democrática”, por atingir a todos, é falsa, tanto numérica quanto relativamente. “Ela atinge a todos, mas as maiores vítimas são os mais pobres dos países mais pobres”, esclareceu. De acordo com o especialista, hoje os traumas no trânsito são encarados como eventos previsíveis e evitáveis, e sabe-se que a segurança viária necessita de abordagem multisetorial. As projeções, entretanto, continuam muito pouco otimistas: o Brasil, que ocupava em 2009 o 9o lugar em traumatismo no trânsito, poderá alcançar o 5o lugar em 2030, se o quadro não se alterar.

Vida no Trânsito

Em novembro de 2009, foi realizada em Moscou a 1ª Conferência Ministerial Mundial sobre Segurança no Trânsito, que estipulou a Década Mundial de Ações para a Segurança no Trânsito de 2011 a 2020. Na ocasião, a Bloomberg Philanthropies anunciou fundos para a segurança no trânsito em dez países signatários, entre eles o Brasil, através do programa Road Safety in 10 Countries Project (RS10), que aqui ganhou o nome de Vida no Trânsito e é coordenado pela Opas e o Ministério da Saúde.

De acordo com Pavarino, dois fatores de risco são prioritários no projeto no Brasil: a associação de álcool e direção e o excesso de velocidade. Segundo ele, a “alma” do projeto é a qualificação da informação estatística epidemiológica e a abordagem sistêmica e multissetorial, planejada por comitês intersetoriais locais, que buscam relacionar dados do Samu, das polícias, da imprensa, dos Detrans e outros órgãos para chegar o mais próximo possível da realidade dos acidentes, de forma que se possa desenhar um programa e traçar intervenções cirúrgicas e ações direcionadas. Parcerias entre esferas e órgãos de governo, iniciativa privada e sociedade civil organizada são estimuladas pelo projeto.

Bem sucedido nas cinco capitais onde foi implantado inicialmente, a partir de 2010, o Vida no Trânsito foi estendido no fim de 2011 a todas as capitais brasileiras e às cidades paulistas de Campinas e Guarulhos, com o investimento anunciado de cerca de R$ 12 milhões. Em 27 de junho de 2013, foi publicada no Diário Oficial a terceira portaria (nº 1.284), que prevê o repasse de R$ 13 milhões e 475 mil reais oriundos do Piso Variável de Vigilância e Promoção da Saúde ao projeto em estados, capitais e municípios com mais de um milhão de habitantes, além das cidades de São José dos Pinhais e Foz do Iguaçu, no Paraná.

“Do ponto de vista técnico, o projeto é bem intencionado, mas precisa de empenho político. Por isso, uma tropa de choque composta pela Opas e a organização Global Road Safety Partnership cobra compromissos por escrito”, disse Pavarino. Ele acrescentou que a Opas também promove intercâmbios, movimentos, eventos e ações de advocacy.

Os jornalistas Veet Vivarta e Sandra Damiani, da ONG ANDI – Comunicação e Direitos, falaram sobre o estudo

A mídia e a segurança no trânsito: uma radiografia da cobertura de 11 diários brasileiros , resultado de uma parceria com a Opas. O estudo, feito entre 01 de dezembro 2011 e 31 de maio de 2012, levantou temas mais discutidos, fontes de informação mais mencionadas, características da cobertura, perfil dos envolvidos em acidentes de trânsito, legislação citada e causas e soluções apresentadas para o problema. Eles também falaram sobre as oficinas com jornalistas realizadas nas primeiras capitais contempladas com o projeto Vida no Trânsito.

Motorização e sedentarismo

O sociólogo Eduardo Biavati promoveu uma reflexão sobre as relações entre maus hábitos de vida, como má alimentação e sedentarismo, e a mobilidade nos diferentes contextos socioculturais, relacionando com dados de saúde e de trânsito. “A restrição da independência da mobilidade gera um atraso da autonomia da criança, uma infantilização. Se o mundo é perigoso, vamos tirá-la da rua. Não se pensa em transformar o mundo, mudar a rua”, criticou.

Ele citou dados da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (Pense) de 2009 e 2012, feita com mais de 3 milhões de alunos do nono ano do Ensino Médio, que mostrou que de 8 a 10% dos alunos faltam à aula por insegurança no trajeto casa-escola-casa. “Os pais responderam motorizando. E as crianças e adolescentes engordam ao lado do pai e da mãe”, lamentou. Outra revelação foi que eles consolidam o hábito de beber na mesma época em que começam a aprender a dirigir. Segundo a pesquisa, 854.500 alunos do nono ano já dirigem veículo motorizado no país.

Segundo Biavati, entre 1997 a 2000, houve uma redução de quase 50% da mortalidade no trânsito, graças ao novo Código. “Mas a coisa perdeu o rumo. Em 2011, tivemos 43.200 mortos, um pico histórico no Brasil, por causa das mortes de motociclistas”, afirmou.

Ele explicou, entretanto, que os pedestres continuam as maiores vítimas, representando a metade do total. A violência no trânsito também vitima mais os mais pretos, mais pobres e menos escolarizados. “É um fenômeno histórico, social e sistêmico, não é acidente. O meu carro tem quatro airbags”, resumiu.

As estatísticas mostram que para cada morto no trânsito, 20 sobrevivem, sendo seis com sequelas graves e eternas. O perfil é de homens (8 em 10) jovens (53% de 15 a 39 anos) – e está ficando cada vez mais jovem. “Todos nos machucamos, a longo prazo. Pena que não se possa contabilizar a dor humana”, disse.

Biavati defendeu a formação de uma rede de ONGs. “As organizações dedicadas à temática são poucas e têm um espaço enorme a cumprir. É preciso buscar aliados para além do trânsito”, sugeriu.

O engenheiro Artur Morais trouxe um exemplo de metodologia: Ferramentas para a condução de advocacy: revisão da legislação e mapeamento político.

Parcerias para objetivo comum

Laura Sminkey, do setor de Comunicação da OMS em Genebra, lançou no encontro o guia para ONGs Promovendo a defesa da segurança viária e das vítimas de lesões causadas pelo trânsito e apresentou aAliança Global de ONGs em Segurança no Trânsito, que hoje conta com duas ONGs brasileiras:

  • Fundação Thiago de Moraes Gonzaga/
  • Vida Urgente, de Diza Gonzaga,
  • e a Criança Segura, representada no evento em Brasília pela sua coordenadora, Alessandra Françóia.

O grupo internacional se encontra duas vezes por ano desde 2011 para a troca de informações e boas práticas, e a cada dois anos é realizado um evento global de ONGs. Laura informou que em 2015 haverá um encontro para discutir o que as ONGs irão dizer na 2a Conferência Ministerial Mundial sobre Segurança no Trânsito.

Gayle Di Pietro, da Global Road Safety Partnership, divulgou um programa de bolsas para ONGs, no valor aproximado de R$ 10 mil por mês por dois anos, bancadas pela Bloomberg Philanthropies e geridas pela GRSP, que busca propostas para mudanças de políticas e ações que reduzam morbimortalidade. Ela recomendou que, para ter o melhor impacto possível, as ONGs precisam ser claras sobre o que estão fazendo, e anunciou a realização de uma oficina de capacitação para ONGs brasileiras na primeira semana de dezembro de 2013, com apoio da Opas/Brasil. Gayle chamou atenção para as devidas distinções entre ações de advocacy, educação, campanhas e seus métodos, meios, focos e objetivos. Ela ressaltou o papel das ONGs de persuadir tomadores de decisão e a importância de se usar recursos de advocacy, e não de lobby, para atingir os objetivos.

No final do encontro os participantes acordaram pelo início de um processo de colaboração continuada como uma rede informal nos próximos anos e decidiram pela criação de um grupo no Facebook para o compartilhamento das suas respectivas atividades.

Baixe as apresentações do evento

FONTE: Vias Seguras

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